quinta-feira, 14 de junho de 2012

Shakira é uma gata!!!

Minha gatinha Shakira é uma gata, não é mesmo? ;c)


Ode ao gato
      Os animais foram 
      imperfeitos, 
      compridos  de rabo, tristes 
      de cabeça. 
      Pouco a pouco se foram 
      compondo, 
      fazendo-se paisagem, 
      adquirindo pintas, graça, vôo. 
      O gato, 
      só o gato 
      apareceu completo 
      e orgulhoso: 
      nasceu completamente terminado, 
      anda sozinho e sabe o que quer.

      O homem quer ser peixe e pássaro 
      a serpente quisera ter asas, 
      o cachorro é um leão desorientado, 
      o engenheiro quer ser poeta, 
      a mosca estuda para andorinha, 
      o poeta trata de imitar a mosca, 
      mas o gato 
      quer ser só gato 
      e todo gato é gato 
      do bigode ao rabo, 
      do pressentimento à ratazana viva, 
      da noite até os seus olhos de ouro.


      Não há unidade 
      como ele, 
      não tem 
      a lua nem a flor 
      tal contextura: 
      é uma coisa só 
      como o sol ou o topázio, 
      e a elástica linha em seu contorno 
      firme e sutil é como 
      a linha da proa 
      de uma nave. 
      Os seus olhos amarelos 
      deixaram uma só 
      ranhura 
      para jogar as moedas da noite


      Oh pequeno 
      imperador sem orbe, 
      conquistador sem pátria 
      mínimo tigre de salão, nupcial 
      sultão do céu 
      das telhas eróticas, 
      o vento do amor 
      na interpérie 
      reclamas 
      quando passas 
      e pousas 
      quatro pés delicados 
      no solo, 
      cheirando, 
      desconfiando 
      de todo o terrestre, 
      porque tudo 
      é imundo 
      para o imaculado pé do gato.


      Oh fera independente 
      da casa, arrogante 
      vestígio da noite, 
      preguiçoso, ginástico 
      e alheio, 
      profundíssimo gato, 
      polícia secreta 
      dos quartos, 
      insígnia 
      de um 
      desaparecido veludo, 
      certamente não há 
      enigma 
      na tua maneira, 
      talvez não sejas mistério, 
      todo o mundo sabe de ti e pertence 
      ao habitante menos misterioso, 
      talvez todos acreditem, 
      todos se acreditem donos, 
      proprietários, tios 
      de gatos, companheiros, 
      colegas, 
      díscipulos ou amigos 
      do seu gato.


      Eu não. 
      Eu não subscrevo. 
      Eu não conheço o gato. 
      Tudo sei, a vida e seu arquipélago, 
      o mar e a cidade incalculável, 
      a botânica, 
      o gineceu com os seus extrávios, 
      o pôr e o mesnos da matemática, 
      os funis vulcânicos do mundo, 
      a casaca irreal do crocodilo, 
      a bondade ignorada do bombeiro, 
      o atavismo azul do sacerdote, 
      mas não posso decifrar um gato. 
      Minha razão resvalou na sua indiferença, 
      os seus olhos tem números de ouro.

      (Navegaciones y Regresos, 1959)
                                                                      Pablo Neruda

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